terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Conte-se seus segredos



Ao escutar o poema “Se eu fosse eu” da espetacular Clarice Lispector, dei-me por conta da excitação em que vivo por experimentar ser eu mesma. Claro que há oscilações de personalidades mil que acumulamos através dos tempos e encaixamos nos padrões culturais ou nos diversos papeis do grande “palco da vida”, como diz Augusto Cury. Porém, me pergunto: e daí? Viver a coragem de ser o que se é parece ser mais complexo do que podemos imaginar. Posto que, para vivenciar esta vida nova, precisamos saber primeiro quem somos. E quem somos nós? O que somos?

Um conjunto físico a formar o corpo humano é básico em resposta superficial da área biológica. Entrar em questões atômicas e/ou quânticas, não responderia, neste primeiro momento, a questão. O que quero dizer, em resumo, é que, corpo e espírito não são suficientes para quantificar qualitativamente, reações e posicionamentos diante do eu.

Uma amiga uma vez me disse, sobre um colega de trabalho seu que dizia “mentir adoidamamente” para seu psicólogo. Logo eu- e minha mania de analisar as coisas (fruto de uma formação em planejamento – desculpas válidas, não?!)- significaria o fato como perda de tempo do paciente, ou tese de mestrado para o doutor da mente em linguagem, que dariam pistas do que realmente se mostra como verdade. “Meta mentira” = uma mentira da mentira. Pensamentos sórdidos e/ou nonsenses passam por nossas imperfeitas cabeças. Divergem-se de nossos padrões sociais, e/ou valores e princípios, nos causam repulsa. Quando não, formam delinqüentes, pervertidos, serial killers, suicidas.

Há, em minha opinião, uma saída (Ok, ok! Para os especialistas podem haver várias!). A da coragem: assumir imperfeições não é para qualquer um. Quando se tornam latentes, a ajuda primeira é a pessoal: é hora da verdade. Se não tem coragem para contar para você mesmo, conte para seu espelho. Permita-se liberar os pensamentos que te aprisionam e se fazem prisioneiros. Se colocá-los no banco dos réus (os sentimentos, não você!), qual seria a condenação? Com que critérios iria julgá-los?

Sentir é natural. O que se sente, seja lá o que for, faz parte. Seja bom, ou ruim. A atitude e comportamento que se tem diante de tais sentimentos são o que fazem a questão. Se você fosse apresentado a você mesmo, diria “Muito prazer em conhecê-lo”?

Quando contava, neste tempo, meus 13 anos (Ai que saudade daquele tempo!), tive a oportunidade de conhecer as obras de Salvador Dali, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. “Cara muito louco!” pensei à época. Hoje, para mim, diante de tais quadros e esculturas, respiro profundamente e encantada: “Gênio das possibilidades”. Artista do surrealismo – sempre me lembrarei das aulas de literatura e seus movimentos – o que não tem lógica é retratado. Um tigre a sair da boca de um peixe, que sai da boca de uma romã (Bem, acho que é uma romã!), uma mulher com gavetas a sair do corpo, borboletas como velas de um barco, ou caravela... O que é possível sonhar? O que é possível se expressar pela arte, colocando a mente na tela através de tinta a óleo diversas?

Voltando à "vaca fria", o que sairia da sua mente se seus segredos mais íntimos- tão íntimos que nem se permite pensar- fossem retratados em tela? Mais referências de jardins ou de sertões? Mais referências de campos verdes, ou de campos de guerra? Quem é você? Concluindo, como Gal a cantar: “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que se é”. Deguste-se e torne-se seu melhor amigo; cúmplice de você mesmo. Conte-se seus segredos e: tenha um enorme prazer, em se conhecer.

Lívia Suhett

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Que tal uma drágea?


Por esses dias, estava eu a esperar o médico em frente ao consultório. Nesse intervalo entre o toque da campainha e o abrir da porta, viajei olhando para a sala do consultório pediátrico à frente. Em fração de segundos -que parecem horas-, voltei para o médico que já estava a me esperar e, rindo de antemão do que ele pode ter pensado, falei: “Me lembrou a sala do oráculo do filme Matrix, você assistiu?” Ao que ele respondeu: “Já! E, o que ocorreu agora, foi uma falha”. (Fiz cara de nada e, por dentro, minha mente :” Ãn?!”) E ele continuou: “Uma falha na Matrix”.


Óbvio que fui querer saber dessa tal “falha”. Confesso que assistir o filme novamente, com a adição de uns dez anos a mais de vida, e querendo entender a tal “falha”, foi entusiasmante.
Que ricas analogias podemos tirar do filme! Para quem não assistiu, fala basicamente de mundos paralelos: um que vivemos (ciclo normal de vida capitalista – nascer, crescer, se alienar e consumir): que é a Matrix; e outro, o qual realmente estamos mas, geralmente não vamos : o real ( que é feio...)


O personagem principal é convidado a passar para o mundo real e precisa escolher entre tomar a pílula vermelha e ter uma nova vida – conhecendo a verdade -, ou tomar a pílula azul para acordar no outro dia em sua cama, esquecido da proposta e continuar na vivência ilusória. Tem condição, porém, de conviver com a vida de ilusão, onde tudo é programado.


Que sacada do escritor!


Percebo que todos, um dia, vamos tomar a pílula vermelha. Um acidente que deforma, uma experiência de quase morte, a perda de um ente querido o qual somos, de alguma forma, dependentes, nos tiram da zona de conforto e somos convidados a tomar a pílula vermelha. Na maioria das vezes, diante de sentimentos decisivos, vindos com os percalços da vida, naturalmente conhecemos um pouco do que poderia ser o mundo real; contudo, tomamos a pílula da ilusão, e acordamos no outro dia com cara de “ainda bem que foi um sonho (ou pesadelo?)” e depois, agimos de modo que “deixem os mortos enterrarem seus mortos! Vamos às compras!”.
Por um arrastão de situações, tomei muitas pílulas azuis e por tempos vivi de sonhos reais e realidades ilusórias. Até que, então, uma amiga me aconselhou pular de bung jump (sei lá como e escreve isso!) e aí: eu tomei a pílula vermelha.


O mundo real é feio, pois aprendemos a amar a Matrix, a capa, o envoltório, o pacote, e esquecemos do conteúdo. Quando filosofam perto de nós a dizer que devemos amar a pessoa pelo que ela é, fala-se de marcar um encontro com ela fora da Matrix. Mas, se a gente não tem acesso direto ao mundo real, fica difícil. O mundo real é feio, porque nós, corruptíveis e hipócritas o constituímos (peguei pesado?).

Concluindo, a vida em duas dimensões é excitante. Experimentar a Matrix tem um sabor peculiar de sonho e poder. "Sonho", pois, sob a ótica da pílula vermelha, o mundo fica mais da maneira como ser quer e nos adaptamos de um modo para que se adaptem a nós; e, "poder", pois esse mesmo mundo se torna mais maleável, programável (sem tirar o poder de Papai do céu, claro!) e a gente pode redesenhá-lo como quiser.


Tomar a pílula vermelha é voltar para sua casa real e perceber que ela precisa de faxina. Lixeiras acumuladas, móveis empoeirados e, na secretária eletrônica, afetos que deixamos de responder, de se comprometer, de se cativar.


Talvez possa parecer um convite a autoflagelação visto que o clichê do dito “A verdade dói” tem sua parcela de verdade, pois, na verdade, a verdade dói, mas não fica doendo. A constante desses beliscões e socos à boca do estômago é opcional. Basta transformar qualquer culpa em responsabilidade (e, leitor, não faça essa cara de “ah tá”... Se acha isso impossível, ou se quer saber como se faz, vai fazer análise! Não sou psicóloga, apenas gosto de escrever! - “Ah! ... Também te amo.”).


Mas, e aí? Que tal uma drágea? Vermelha ou azul?


P.S: Falha na Matrix? Assistam ao filme.


Lívia Suhett

Sentada na escada

Que posso eu fazer agora com a ampliação da mente,
Com os novos rostos que me surgem ao espelho de repente
De todos os sóis que já vi passar?
Todos esses personagens compunham um ser que por tempos oscilou na jornada do encontro com o humano, de humanidade, de congregação.
Paixões, afetos e desafetos se fazem e se fizeram em todas essas estradas do longo caminho da eternidade
A visita aos velhos amigos da auto imagem colocam-me em confusa psique de sentimentos gostos e paladares.
Das piores lembranças, debato as melhores que cobrem o que se padeceu, o que morreu e o que se fez morrer.
De alguma multidão de consciências más, as flores do caminho são tantas que reequilibro toda uma população de mentes de rosas e sonhos, de busca do bem, do bom, e da responsabilidade de fazer diferente.
Tenho tanto mel no meu saco de sal, que talvez o sal seja apenas um recurso para conservar o mel que provo ainda, e muitas vezes, sem gosto, por lembrar de tempos em que salguei outros mares.
A doce parte desse doce que tira chuva dos meus olhos e deixa todos os dentes da minha boa em vitrine bem exposta, sem medo e sem prosa, volta sem esforço nas manhãs nubladas que me trazem um indefinível bom humor, uma idéia de paz, um sentimento de recomeço. Quando as cinzas nuvens da manhã se fundiam com o horizonte da planície, sabia que era hora de passar o café, ou deixar alguém passar, pois a luz do sol viria me encontrar na escada, com o sorriso e olhar peculiar, qual identidade insubstituível.
Estamos todos a esperar. E todos comigo esperam, e me envolvem, e me dão a mão, e fazem todo o bem que podem.
Quando chegar e tomar consciência que chegou,
Fala perto e com nosso riso, pois esteve, por muito tempo, longe demais.
Eu saberei.