quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Que tal uma drágea?


Por esses dias, estava eu a esperar o médico em frente ao consultório. Nesse intervalo entre o toque da campainha e o abrir da porta, viajei olhando para a sala do consultório pediátrico à frente. Em fração de segundos -que parecem horas-, voltei para o médico que já estava a me esperar e, rindo de antemão do que ele pode ter pensado, falei: “Me lembrou a sala do oráculo do filme Matrix, você assistiu?” Ao que ele respondeu: “Já! E, o que ocorreu agora, foi uma falha”. (Fiz cara de nada e, por dentro, minha mente :” Ãn?!”) E ele continuou: “Uma falha na Matrix”.


Óbvio que fui querer saber dessa tal “falha”. Confesso que assistir o filme novamente, com a adição de uns dez anos a mais de vida, e querendo entender a tal “falha”, foi entusiasmante.
Que ricas analogias podemos tirar do filme! Para quem não assistiu, fala basicamente de mundos paralelos: um que vivemos (ciclo normal de vida capitalista – nascer, crescer, se alienar e consumir): que é a Matrix; e outro, o qual realmente estamos mas, geralmente não vamos : o real ( que é feio...)


O personagem principal é convidado a passar para o mundo real e precisa escolher entre tomar a pílula vermelha e ter uma nova vida – conhecendo a verdade -, ou tomar a pílula azul para acordar no outro dia em sua cama, esquecido da proposta e continuar na vivência ilusória. Tem condição, porém, de conviver com a vida de ilusão, onde tudo é programado.


Que sacada do escritor!


Percebo que todos, um dia, vamos tomar a pílula vermelha. Um acidente que deforma, uma experiência de quase morte, a perda de um ente querido o qual somos, de alguma forma, dependentes, nos tiram da zona de conforto e somos convidados a tomar a pílula vermelha. Na maioria das vezes, diante de sentimentos decisivos, vindos com os percalços da vida, naturalmente conhecemos um pouco do que poderia ser o mundo real; contudo, tomamos a pílula da ilusão, e acordamos no outro dia com cara de “ainda bem que foi um sonho (ou pesadelo?)” e depois, agimos de modo que “deixem os mortos enterrarem seus mortos! Vamos às compras!”.
Por um arrastão de situações, tomei muitas pílulas azuis e por tempos vivi de sonhos reais e realidades ilusórias. Até que, então, uma amiga me aconselhou pular de bung jump (sei lá como e escreve isso!) e aí: eu tomei a pílula vermelha.


O mundo real é feio, pois aprendemos a amar a Matrix, a capa, o envoltório, o pacote, e esquecemos do conteúdo. Quando filosofam perto de nós a dizer que devemos amar a pessoa pelo que ela é, fala-se de marcar um encontro com ela fora da Matrix. Mas, se a gente não tem acesso direto ao mundo real, fica difícil. O mundo real é feio, porque nós, corruptíveis e hipócritas o constituímos (peguei pesado?).

Concluindo, a vida em duas dimensões é excitante. Experimentar a Matrix tem um sabor peculiar de sonho e poder. "Sonho", pois, sob a ótica da pílula vermelha, o mundo fica mais da maneira como ser quer e nos adaptamos de um modo para que se adaptem a nós; e, "poder", pois esse mesmo mundo se torna mais maleável, programável (sem tirar o poder de Papai do céu, claro!) e a gente pode redesenhá-lo como quiser.


Tomar a pílula vermelha é voltar para sua casa real e perceber que ela precisa de faxina. Lixeiras acumuladas, móveis empoeirados e, na secretária eletrônica, afetos que deixamos de responder, de se comprometer, de se cativar.


Talvez possa parecer um convite a autoflagelação visto que o clichê do dito “A verdade dói” tem sua parcela de verdade, pois, na verdade, a verdade dói, mas não fica doendo. A constante desses beliscões e socos à boca do estômago é opcional. Basta transformar qualquer culpa em responsabilidade (e, leitor, não faça essa cara de “ah tá”... Se acha isso impossível, ou se quer saber como se faz, vai fazer análise! Não sou psicóloga, apenas gosto de escrever! - “Ah! ... Também te amo.”).


Mas, e aí? Que tal uma drágea? Vermelha ou azul?


P.S: Falha na Matrix? Assistam ao filme.


Lívia Suhett

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